Prefeitura de Farroupilha e Universidade de Caxias do Sul estão aliando teoria e prática em um projeto que analisará o solo farroupilhense na busca pela qualidade de produção Lucas Tomazini, 56 anos, cresceu no meio rural.
Prefeitura de Farroupilha e Universidade de Caxias do Sul estão aliando teoria e prática em um projeto que analisará o solo farroupilhense na busca pela qualidade de produção
Lucas Tomazini, 56 anos, cresceu no meio rural. A propriedade no interior de Farroupilha, de onde tira seu sustento com o cultivo de uvas e a produção de vinho, existe desde os anos 20. A área de 56 hectares, na comunidade de São Roque -4º distrito de Farroupilha, onde passou sua infância, era de seus avós, imigrantes italianos e depois foi cuidada pelas mãos trabalhadoras de seus pais. “Hoje eu e meu irmão Moisés cuidamos, esse lugar é só para a plantação de parreiral, mas muita história já passou por aqui. Era nosso local de residência, criávamos alguns animais, um boizinho, galinhas, plantava um pouco de trigo, sabe, para a subsistência”, relembra.
De lá para cá muitas coisas mudaram. A estrada que leva às terras da família foi asfaltada e o maquinário mecanizado, incentivando assim o transporte das uvas para vinícolas da região; a tecnologia chegou e facilitou os processos de vinificação, permitindo que a mão de obra seja contratada especificamente para a época da colheita; e a internet foi fundamental para a toda a regularização do negócio. “Agora eu não posso reclamar, tem asfalto, boa alimentação, tudo mais automatizado. E hoje encaramos como uma empresa, por isso, temos que nos atualizar e nos adequar. Na época, era muito mais sofrido. Era muito trabalho, de toda a família, para pouco rendimento”, destaca.
É fato que todas as mudanças proporcionadas pelo avanço da tecnologia fizeram com que a produção agrícola em todo o Brasil se qualificasse e explodisse mundialmente ao longo dos anos. De acordo com estudo elaborado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), numa lista de cerca de 120 países pobres e em desenvolvimento, o Brasil foi o que registrou o maior aumento da produtividade do trabalho agrícola entre 1988 e 2008.
Em Farroupilha, o conhecimento técnico científico também foi fundamental para o crescimento do setor, que hoje já é responsável pelo retorno de 11% do ICMS para o município. Para o Secretário Municipal de Desenvolvimento Rural, Ricardo Bicca Ferrari, o uso da tecnologia nas propriedades rurais é de suma importância para a continuidade do produtor na atividade agrícola. “Na situação atual de mercado, onde se exige alta produção e diminuição dos custos, o não uso de tecnologias, torna praticamente impossível a viabilidade da propriedade. Atualmente a maioria dos agricultores investe nisso, pois percebeu que as mesmas aliadas junto à produção, garantem maior qualidade ao produto e menor custo. Outro ponto em destaque é que a tecnologia favorece a permanência dos jovens na sucessão familiar, fato que vem se mostrando preocupante atualmente”, enfatiza.
Embora o progresso tenha sido notável no meio rural no município, algumas práticas adquiridas no dia a dia da lavoura se mantém, especialmente nas pequenas propriedades com mão de obra quase que exclusivamente familiar. Um exemplo é a maneira de lidar com o solo, que por vezes ainda não é profissionalizada. “Já fizemos uma análise de solo há uns 20 anos de um todo, mas não dividido por espaço. Quando tem alguma praga, algum problema, a gente acaba consultando nos lojistas, pesquisa aqui e ali, vai pela prática”, relata Tomazini.
Ao não fazer o estudo, o agricultor pode estar deixando de aproveitar o melhor que a terra pode dar. “A análise de fertilidade do solo é de extrema importância, pois é a partir dos resultados obtidos que serão realizadas as recomendações de adubação e calagem do solo de forma mais precisa, o que afetará o potencial de rendimento final da cultura. Além disso, tem baixo custo, comparado aos benefícios que nos traz. Com ela é possível reduzir os custos de produção, pois utiliza-se somente a quantidade necessária de adubos e corretivos para a cultura. Outra vantagem é que ela pode ser feita em qualquer época do ano”, ressalta Katiuscia Fonseca dos Santos Strassburger, coordenadora do curso de Agronomia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Doutora em Solos. Para ela, a maioria dos agricultores não realizam análises de solo, provavelmente, por não terem o conhecimento de sua importância.
O profissional capacitado para diagnosticar as condições de fertilidade e orientar corretamente que tipos de nutrientes e a quantidade exata que o solo precisa é o agrônomo. É ele que pode recomendar a adubação e calagem, a adição de calcário para corrigir a acidez do solo. Embora sejam resistentes inicialmente, a professora Katiuscia destaca que os produtores estão cada vez mais exigentes e em busca de novas tecnologias, por isso acabam enxergando a importância da profissionalização do processo. “Hoje 90% dos alunos formados no curso de Agronomia da UCS estão inseridos no mercado de trabalho e isso é muito gratificante”.
Para aprimorar ainda mais a produção agrícola farroupilhense e melhorar a qualidade de vida dos agricultores, a Prefeitura de Farroupilha assinou em 2013 um convênio com a Universidade, que disponibiliza aos produtores as análises químicas e físicas de solo, água, alimentos e folhas, com subsídio de 50%. O valor investido pelo produtor nesse caso não passa de 44 reais. Os processos são realizados pelo Laboratório de Química e Fertilidade do Solo, do Centro de Ciências Agrárias e Biológicas. A coleta de solo e folhear pode ser efetivada pelos próprios agricultores, utilizando uma embalagem específica que deve ser retirada na Secretária. Já a análise da água é agendada junto à pasta, para que o procedimento seja realizado na propriedade com o ajuda de equipe técnica. O resultado do exame leva cerca de 30 dias.
Essa iniciativa acabou abrindo as portas para outra ação. No início desse ano, mais um convênio com a Universidade foi firmado e está enfatizando ainda mais a importância do trabalho, além de oportunizar a troca de experiências entre agricultores e alunos do curso de Agronomia. Cinco famílias do 4º distrito foram selecionadas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural para receber o serviço de análise de solo, realizado pelos estudantes. “Nesse primeiro momento selecionamos produtores de médio porte, com mão-de-obra familiar. A produção basicamente de uva e vinho. É o início de um projeto que queremos dar continuidade nos próximos semestres, elencando outras propriedades e desempenhando o papel da secretaria em oferecer subsídios aos agricultores e suas demandas”, comemora.
Para a atividade, o poder público disponibiliza gratuitamente o transporte dos 26 alunos até a localidade, nos seis dias de campo e no encontro final, quando serão apresentados os resultados da análise. Segundo Bicca, a Prefeitura abriu as portas para a UCS por considerar que uma atividade como essa é enriquecedora. “Esse tipo de parceria proporciona, além de conhecimento aos alunos, a realização de pesquisas e estudos, unindo teoria e prática. As vantagens para os produtores são muito grandes. O contato direto, de forma gratuita, é um incentivo. Com o trabalho eles terão mais conhecimento de suas propriedades e poderão investir em novas culturas. Estamos muito confiantes com este trabalho, que vai gerar mais qualidade aos produtos e, consequentemente maior valor agregado”.
“Os alunos estão fazendo a coleta e análise de amostras de solo de propriedades rurais, caracterizar o sistema de manejo, identificar pontos críticos (positivos e negativos), sugerir uma lista preliminar de indicadores, avaliar relevo, posição geográfica, vegetação, hidrografia, entre outros, que resultará nas características do solo. O objetivo é elaborar um profundo diagnóstico do solo de Farroupilha. Certamente este levantamento permitirá conhecer a realidade e oferecer essas informações àqueles que querem e acreditam na possibilidade de investimentos na área rural. Os dados servirão como base de instrumento para o desenvolvimento rural do município”, explica Katiuscia.
Coordenados pela professora, os estudantes da disciplina de Manejo e Conservação do Solo estão analisando a terra das cinco propriedades rurais selecionadas. Além da família Tomazini, outras quatro estão recebendo os acadêmicos: Slomp, Onzi, Barbanti e Gandolfi. O primeiro encontro aconteceu no dia 22 de março, quando os agricultores responderam a uma extensa entrevista, com o objetivo de conhecer toda a estrutura, o funcionamento e o histórico dos negócios rurais.
“Esse primeiro contato é para nosso conhecimento, onde o agricultor vai nos dizer se ele percebe a região que produz mais, menos, se tem deficiência, onde vamos fazer coletas e descobrir o porquê algum lugar se sobressai e outro não. Estamos conhecendo o manejo da propriedade, os resultados, se ele satisfeito com a produção, se está recebendo ajuda da Prefeitura, se a tecnologia está chegando. É uma interação com o produtor para que fique uma relação bem familiar”, explica o estudante do 6º semestre, Fernando Machado.
Com o primeiro contato feito, chegou o dia de finalmente mexer na terra e começar a descobrir suas características. Nesta quarta-feira, 29, cada grupo seguiu para seu campo de trabalho com o objetivo de avaliar o processo erosivo, observando as causas, as práticas de conservação e os impactos para a produção agrícola e para o meio ambiente. Com o penetrômetro em mãos, a turma que ficou na propriedade dos irmãos Slomp iniciou a medição da compactação e resistência do solo e colheu diversas amostras.
“ Isso aqui é muito interessante, a análise é a base de tudo. A maioria não faz por que a videira vem produzindo bem, daí corrige com um calcário, ela volta a produzir e assim se leva. O produtor, infelizmente, ainda não é orientado. Ele acaba achando que quem faz as indicações e oferece o serviço quer vender produtos desnecessários para ele. Acabou se tornando uma cultura. Nós fizemos há uns três anos e agora vamos aproveitar essa oportunidade para identificar o porquê que em alguns lugares produziu menos”, conta Roque Slomp, produtor de uvas conhecido por ter em suas terras a parreira mais antiga do Rio Grande do Sul, com 136 anos.
Tomazini também tem parreirais antigos, com mais de cem anos. Apesar de tanta experiência com o cultivo das uvas americanas e uma produção de 500 mil quilos ao ano, ele ainda tem dúvidas e conta com o conhecimento dos jovens para saná-las. “Às vezes a gente fica em dúvida em relação a controle de pragas, doenças, se o clima favorece ou não, por isso, é sempre bem-vindo esse conhecimento. Há anos tinha o fusarium (fungo de solo, que provoca o amarelamento e secagem das folhas) e ainda tem muito a pérola”, conta.
O grupo que acompanha a família pode constatar a ocorrência da praga em diversas raízes. “Encontramos uma cochonilha aqui, conhecida como pérola-da-terra, que prejudica os vinhedos. Ela suga a seiva da videira até ela deixar de produzir. Este é um parreiral antigo, mas vimos que o produtor já está implantando um programa para renovar eles, com novas mudas, apesar de estar encontrando problemas com elas, isso é bem comum. Estamos colhendo esses dados para trazer soluções”, contou o estudante Maurício Fugalli, enquanto fazia a avaliação das chamadas trincheiras.
Na propriedade de 31 hectares da família Barbanti, onde se colhem aproximadamente 90 mil quilos de uva por ano e se cultivam hortaliças em duas estufas, os estudantes encontraram uma realidade diferente e bem próxima da ideal. Lá, a análise de solo é feita antes do plantio para que se possa dar tempo para uma boa análise e correções. “O seu Raul e a Dona Lúcia são bem abertos, por que o filho deles é formado em agronomia. De certa forma ainda encontramos alguma resistência no geral, mas se comparado ao que era, já melhorou muito. O produtor já tem mais essa visão de querer evoluir, investir em tecnologia para aumentar a produção”, conta a estudante Márcia Andreolla.
Além de ampliar a visão sobre o modo de vida, de ter o contato com o produtor rural e agregar a teoria da sala de aula com a experiência da vida do agricultor, encontros como esses servem para criar amizades e fortalecer os vínculos de gerações distantes em relação ao tempo, mas muito próximas quanto ao amor que sentem pela terra.
Os alunos continuarão frequentando as localidades por mais quatro semanas, tempo suficiente para essa união se transformar em uma experiência única e ser comemorada. Aliás, seu Ivan Slomp já prometeu um jantar de confraternização no Salão da Comunidade, no dia 28 de junho, momento em que os alunos também estão planejando apresentar o Projeto de Diagnóstico e Recomendações Técnicas da Propriedade Agrícola de Estudo a todos os convidados.
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Texto: Renata Parisotto
Fotos: Adroir Fotógrafo
Edição: Assessoria de Imprensa e Comunicação Social
imprensa@farroupilha.rs.gov.br
Data de publicação: 30/03/2017